15 novembro 2010

O grande sofisma


Não sou responsável pelas minhas insuficiências. 
Se minha corrente vital é acaso interrompida e foge de seu leito; 
se meu ser muitas vezes se desprende de seus suportes e se perde no vazio; 
se é frágil a minha composição orgânica e tênues os meus impulsos - culpo disso os meus pais, a 
sociedade, o regime, os colégios; culpo as mulheres difíceis, os 
governos, as privações anteriores; culpo os antepassados em geral, o mau clima da minha 
cidade, a sífilis que veio nas naus descobridoras, a água salobra, as portas que se me 
fecharam e os muitos "sins" que esperei e me foram negados; 
culpo os jesuítas e o vento sudoeste; 
culpo a Pedro Álvares Cabral e a Getúlio; 
culpo o excesso de proibições, a escassez de iodo, as viagens que não fiz, os encontros que não tive, 
os amigos que me faltaram e as mulheres que não me quiseram; culpo a D. João VI e ao Papa; 
culpo a má-vontade e a incompreensão geral. 
A todos e a tudo eu culpo.
Só não culpo a mim mesmo que sou inocente. E ao Acaso, que é irresponsável...

Anibal Machado

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