A nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas. Sigmund Freud
07 outubro 2010
Artigo da ‘Unesp Ciência’ aponta falhas do projeto de Código Florestal
No mês que vem, quando o governo federal anunciar de quanto foi o desmatamento da Amazônia neste ano, é muito provável que ele mostre a menor taxa desde 1988, quando o dado começou a ser medido anualmente pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Uma vitória no caminho do compromisso assumido internacionalmente de reduzir o desmatamento para diminuir as emissões de gases de efeito estufa do país. Paralelamente, porém, é provável que o Congresso esteja votando um projeto de lei que substitui o atual Código Florestal – e que muitos pesquisadores e ambientalistas entendem ir na contramão desse compromisso, ao diminuir a proteção às florestas e permitir novos desmatamentos.
O texto original, de 1965, que sofreu alterações em 1989 e em 2000, dispõe sobre as chamadas APPs (áreas de preservação permanente, como matas ciliares e topos de morro) e a Reserva Legal, ou RL (trechos de propriedades privadas que não podem ser desmatados – a porcentagem varia conforme o bioma). Bastante rigoroso, ele é também largamente desrespeitado, e mais de 80 milhões de hectares de terra no país estão em situação de não conformidade com o código. A proposta de substitutivo elaborada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e já aprovada em comissão especial para votação em plenário, flexibiliza esses instrumentos de proteção com a justificativa, entre outras, de regularizar proprietários que infringiram a legislação vigente.
Esse projeto de lei vem sendo amplamente criticado por pesquisadores de diversas áreas diretamente relacionadas à matéria e não há informações que assegurem sua fundamentação científica, seja para as alterações previstas por seus dispositivos, seja como contraposição às objeções levantadas contra ele.
Cientistas alegam que, ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta acaba colocando em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta. Quando questionado sobre o assunto, Aldo diz que ouviu, sim, pesquisadores, sem citar algum nome específico ou mostrar papers publicados. Certa vez, em uma coletiva de imprensa, deixou escapar de onde teria vindo sua consultoria científica: um assessor é biólogo. Mas a própria comunidade científica faz um mea-culpa. Apesar de não faltarem trabalhos que mostrem as consequências das supressões de vegetação nativa previstas, pesquisadores admitem que eles mesmos demoraram para se manifestar sobre a necessidade de modificar o código, inclusive para torná-lo mais efetivo.
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“O fato de o código hoje ser tão desrespeitado mostra que de fato tem algo de errado com ele. Precisamos chegar a um consenso, mas para isso precisamos nos basear nas pesquisas. E há lacunas a serem preenchidas, como estudos que mostrem alternativas, que apontem exatamente o tamanho do custo [socioeconômico e ambiental] do desmatamento em relação à recuperação da mata e ao investimento de tecnologias na agropecuária, por exemplo. Mas a tônica é evitar uma votação imediata, porque faltam dados para tomar uma decisão”, defende o ecólogo Jean Paul Metzger, da USP.
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Para Célio Haddad, da Unesp de Rio Claro, além de não ser “ético o ser humano destruir outros organismos, eliminar espécies”, a perda de anfíbios, assim como pode ocorrer com os peixes, vai alterar o equilíbrio ecológico. Reduzir suas populações significaria ter uma proliferação de insetos, que podem ser praga da agricultura ou transmissores de doenças para o homem, além de diminuir a oferta de alimento para peixes, répteis, aves e mamíferos que predam anfíbios. “Deveríamos estar indo no outro caminho, de reconectar os fragmentos. A proposta vem na contramão de tudo o que a ciência está falando que é para fazer, não só por uma questão de bondade com os organismos, mas para o bem do ser humano”, afirma.
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Os autores sugerem que as APPs em torno de rios na Amazônia deveriam manter pelo menos 200 metros de área florestada de cada lado para que haja uma plena conservação da biodiversidade. “A manutenção de corredores de 60 m (30 m de cada lado do rio), conforme a legislação atual, resultaria na conservação de apenas 60% das espécies locais”, cita Metzger.
Serviços para o homem
Em setembro, Fernanda, Peres e o zoólogo Darren Norris, que é doutorando na Unesp de Rio Claro, frisaram em carta na Science que “as reformas poderão levar a perdas irreversíveis à biodiversidade”. Eles reafirmam que a redução dos corredores florestais significa que as paisagens vão perder a capacidade de reter e conectar espécies e de manter a qualidade e o fluxo de recursos hídricos. O empobrecimento do ambiente poderá ser sentido pelas erosões no solo e pela cada vez menor capacidade de captação de água, o que em si pode trazer consequências econômicas, como a desvalorização do preço da terra.
“Há uma relação direta com o funcionamento do ecossistema. A floresta não vai mais funcionar como deveria, não terá mais dispersor de semente nem polinizador. Com isso, tudo o que ela provia, como reduzir assoreamento de rios, diminuir a temperatura local, vai se perder”, complementa Mauro Galetti, da Unesp de Rio Claro e organizador de uma compilação de estudos sobre impactos nos mamíferos.
José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia e um dos principais especialistas em recursos hídricos do país, concorda. “Os leigos, em geral, esquecem que a vegetação é parte do ciclo hidrológico. Sem ela, a água não consegue se infiltrar, diminui a capacidade de produção de vapor d’água que depois vai trazer chuva.” Segundo ele, o aspecto mais prático dessa história é que quando há uma vegetação protegendo os mananciais tem-se um custo de tratamento de água menor. “Em algumas áreas do interior de São Paulo onde o manancial está bem protegido, calculamos que o tratamento de mil metros cúbicos custa R$ 2. Quando não há vegetação, isso pode subir para R$ 300.”
Sem contar que o maior assoreamento dos rios pode tornar mais frequentes e intensas as inundações rio abaixo, afetando as populações ribeirinhas que moram ao longo do curso d’água. “Transfere-se o ônus da produção agrícola para a população mais carente de centros urbanos”, diz Joly.
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Após a reportagem ter reiterado a solicitação de avaliações científicas sobre as consequências ambientais da alteração da lei, o deputado (Aldo Rebelo) disse que em vez de um corte científico, a reportagem teria um viés político. E, apesar de não ter indicado nenhum cientista favorável ao seu substitutivo, desafiou: “Quero ver se vocês só vão ouvir o grupo de pesquisadores que se opõem à proposta. Parece que sim. Então não é honesto de sua parte dizer que a reportagem será estritamente científica.”
Mesmo sem o deputado ter apontado pesquisadores e estudos favoráveis ao seu projeto, insistimos. Procuramos a Embrapa para responder à pergunta: é possível manter essa necessária proteção às florestas e ainda atender às demandas de um setor que tem forte apelo para a economia, ao representar quase 30% do PIB nacional?
A dúvida foi espalhada pelo setor ruralista do Congresso a partir de 2009, quando ganhou destaque um estudo feito por Evaristo Eduardo de Miranda, então chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, que sugeriu que faltaria terra para a expansão agrícola no país se fosse cumprida à risca a legislação ambiental, fundiária e indigenista. O trabalho, criticado por ambientalistas e pela academia, acabou não sendo endossado nem mesmo pela Embrapa.
Terra de sobra
“Não há problema, no momento, de falta de terra para expansão da agricultura e pecuária no Brasil”, afirma Celso Manzatto, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente. “Mostramos nos últimos 20 anos que é possível ganhar produtividade sem precisar incorporar novas terras. Não significa, necessariamente, que vamos ter desmatamento zero. O que o país precisa, e ainda não dispõe, é de políticas de ordenamento do território que apontem claramente quais são as áreas a serem ocupadas para a produção agropecuária no futuro.”
Leia o texto completo: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/10/artigo-da-unesp-ciencia-aponta-falhas-do-projeto-de-codigo-florestal.html
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