28 setembro 2010

Uma lei de proteção à natureza?

Ainda nos afastamos da nossa raíz.
Evito fazer previsões, mas o problema da conservação ambiental certamente continuará presente em todo o mundo nas próximas décadas, principalmente por envolver grandes interesses econômicos e políticos. Se, por um lado, a questão desperta sentimentos idealistas, moderados por atitudes alienadas; por outro é causa de real preocupação por parte de cientistas e especialistas em conservacionismo.

Vez por outra, lembro o artigo de R.A.Amaral Vieira publicado em Ciência e Cultura (36(5):797-800, 1984), que resume a palestra proferida em 1º de junho de 1983 na abertura da Semana do Meio Ambiente de Pernambuco, a convite da SUDENE. Disse ele naquela ocasião:

“Dessa alienação decorre nosso esforço por colocar fora de nós tanto o meio ambiente quanto a poluição. Meio ambiente é identificado com o verde das florestas, com a preservação dos animais da África, com a baleia-azul que jamais veremos, com o mico-leão-dourado. Com o mundo que não nos pertence, do qual não temos relações, nem econômicas nem outras, e que, por isso mesmo, podemos proteger, prometer proteger, porque a proteção não depende de qualquer ação objetiva nossa. Poluição passa a ser a fumaça da indústria que está longe, e como não somos industriais podemos ser contra a   poluição industrial e nos anunciarmos como suas vítimas, embora beneficiários, como consumidores, de seus produtos.”

O Brasil promoveu a revisão das leis de conservação da natureza herdadas da era Vargas, que serviriam de exemplo para a legislação peruana e colombiana. Victor Abdenur Farah, do Ministério da Agricultura, ao qual cabia estabelecer a política de conservação na década de 1960, foi o responsável pela escolha das comissões de especialistas para a redação dos novos projetos de lei.

Na época, a sugestão de se tentar consolidar a legislação em um único Código de Conservação da Natureza foi considerada por Farah como prematura. Sua opinião era a de que, em um primeiro passo, deveria ser feita a revisão das antigas leis da década de 1930. Posteriormente, os novos textos legais viriam a ser combinados em um único código de proteção às águas, ao solo, aos recursos minerais, à fauna e à flora.

A discussão atual sobre a revisão do Código Florestal tem deixado de considerar esse aspecto fundamental, exatamente aquele que escapou ao general-presidente do DNRNR na década de 1960, mas que não escapou a Farah. Uma espécie não é um animal ou uma planta isolados de seu ambiente. Não é o bicho que se vê em um Jardim Zoológico ou uma árvore em um Jardim Botânico, um arboreto ou uma praça pública. A espécie é uma entidade natural que somente existe como tal em seu contexto ecológico, integrando um sistema complexo de relações com os fatores físicos e bióticos do ambiente em que ocorre na natureza. É parte de uma comunidade, que depende do conjunto de fatores característicos de seu meio. Conservação envolve tanto conceitos teóricos como o de ecossistema, quanto realidades biogeográficas como biomas e biótopos.

Alterar o Código Florestal significa, portanto, afetar a fauna, os solos, as águas, independentemente da existência de suas leis e códigos específicos. É alterar, portanto, as condições de vida humana e, de maneira direta, a saúde individual, coletiva e ambiental.

Mudanças climáticas, aquecimento global, mercado virtual dos créditos de carbono conseguem mais atenção do que as verdadeiras mudanças ecológicas pelas razões apontadas por Amaral Vieira no artigo citado acima. Situam-se em universos e escalas distantes de nossa experiência cotidiana e pessoal. A não ser para quem confunde meteorologia e clima e acredita presenciar mudanças climáticas nas suas lembranças vagas das temperaturas e estiagens no ano anterior.

Entretanto, as demandas dos barrageiros, do lobby da agricultura industrial, a transposição do rio São Francisco, as derrubadas da floresta amazônica e atlântica, do cerrado e caatinga, os interesses políticos que dizem respeito ao ordenamento do território e suas consequências, estes, sim estão atuantes e constituem as causas de profundas mudanças ecológicas, econômicas e sociais com as quais devemos nos preocupar.


Fonte: http://www.oeco.com.br/convidados/24399-uma-lei-de-protecao-a-natureza

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