09 setembro 2010

Discurso sobre a desigualdade

Jean Jacques Rousseau.
 Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo de outros, como serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles.
Não se pode perguntar qual a fonte de desigualdade natural, porque a resposta estaria enunciada na simples definição da palavra. Pode-se, ainda menos, procurar a existência de qualquer ligação essencial entre essas duas desigualdades, pois, em outras palavras, seria perguntar se aqueles que mandam valem necessariamente mais do que os que obedecem, se a força do corpo ou do espírito, a sabedoria e a virtude sempre se encontram, nos mesmos indivíduos, na proporção do poder ou da riqueza: tal seria uma boa questão para discutir entre escravos ouvidos por seus senhores, mas que não convém a homens razoáveis e livres, que procuram a verdade.
(...)
O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassinios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: defendei-vos de ouvir este impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!

J. J. Rousseau

Fonte: Coleção Os Pensadores, Editora Abril.

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