24 setembro 2011

Cachorros de Palha [17]


Difícil de conciliar.


Mais uma utopia
Podemos sonhar com um mundo no qual uma população humana grandemente reduzida viva num paraíso parcialmente restaurado; no qual a agricultura tenha sido abandonada e desertos verdes tenham sido devolvidos à terra; onde os humanos restantes estejam estabelecidos em cidades, emulando o nobre ócio dos caçadores-coletores, suas necessidades atendidas por novas tecnologias que deixam poucos sinais sobre a Terra; onde a vida é entregue à curiosidade, ao prazer e à diversão.
Não há nada tecnicamente impossível em tal mundo. Novas tecnologias não podem desfazer as leis da termodinâmica, mas podem ser mais gentis com a Terra do que as antigas. Microchips permitem que a tecnologia seja parcialmente desmaterializada, tornando-a menos demandante de energia. A energia solar permite que o consumo seja parcialmente descarbonizado, reduzindo o impacto ambiental. James Lovelock sugeriu usar a energia nuclear para se contrapor ao aquecimento global. E. O. Wilson propôs que alimentos geneticamente modificados tenham um papel num programa abrangente de conservação e controle populacional.
Uma utopia verde high tech, na qual uns poucos humanos vivam felizes e em equilíbrio com o resto da vida, é cientificamente factível, mas é humanamente inimaginável. Se alguma coisa como essa algum dia acontecer, não será por vontade do homo rapiens.
Enquanto a população continuar a crescer, o progresso consistirá num esforço para manter o passo com ela. Existe apenas uma maneira de a humanidade poder limitar seus labores: limitando seus números. Mas limitar os números de humanos colide com as necessidades humanas poderosas.

Trecho de Cachorros de Palha.

Um comentário:

  1. Estranha essa afirmação: cientificamente possível, mas humana inimaginável, como se fossem coisas completamente distintas. Eu concordo com Popper que é tentando fazer um paraíso na terra que construímos o inferno na terra. Esta utopia verde high tech não me parece ruim apenas por não ser factível. Ela me parece tão ruim quanto a utopia civilizada ou a utopia verde low tech. Os princípios são os mesmos. O problema está justamente no ideal de felicidade, perseguido por todos. O crescimento da população não surgiu do nada e não pode ser resolvido sem mudar o conceito de felicidade. Limitar os números, ao meu ver, não é difícil apenas por causa de necessidades humanas, mas de necessidades civilizadas, naturalizadas como humanas por uma visão civilizada. Na verdade, os números só podem ser limitados se o homem deixar de se ver como um deus na terra, ou seja, se ele mudar qualitativamente.

    ResponderExcluir