16 junho 2012

Por isso a Dona é Malandra


Os bonobos.


A bonobo fêmea tem intumescimento genital mesmo quando não está fértil, como por exemplo durante a gravidez ou a lactação. Com a chimpanzé fêmea isso não ocorre. Calculou-se que as chimpanzés fêmeas têm intumescimento genital durante menos de 5% de sua vida adulta, enquanto as bonobos vivem nesse estado quase 50% do tempo. Além disso, exceto por uma queda quando as fêmeas estão menstruadas, o sexo ocorre durante todo o ciclo para a fêmea bonobo, e isso é intrigante. Para que serviria o intumescimento genital, aquele balão grotesco, senão para anunciar fertilidade?



Como o sexo e o intumescimento genital são em grande medida desvinculados da fertilidade, um macho bonobo precisaria ser um Einstein para descobrir quais filhotes poderiam ser dele. Não que os grandes primatas não humanos tenham noção da relação entre sexo e reprodução. Só os humanos a têm. Mas é muito comum machos favorecerem a cria das fêmeas com quem eles se acasalaram, e assim, efetivamente, estão cuidando e protegendo a própria prole. Entre os bonobos, porém, há sexo demais com parceiros demais para que eles possam fazer tais distinções. Se alguém quisesse planejar um sistema social no qual a paternidade permanecesse obscura, dificilmente faria melhor do que a Mãe Natureza fez para os bonobos. Hoje acreditamos que essa pode ser, na verdade, exatamente a razão: as fêmeas têm a ganhar atraindo os machos para relações sexuais. Repito que não está implícita nenhuma intenção consciente; simplesmente, ocorrem equívocos quanto à fertilidade. A princípio, essa idéia é desnorteante. Embora a paternidade nunca seja tão certa quanto a maternidade, nossa espécie não está muito bem com uma alta confiança na paternidade? Os homens têm muito mais certeza nessa questão do que os machos de animais que vivem em promiscuidade ilimitada. Que problema poderia haver em machos saberem quem são seus descendentes? A resposta é: o problema do infanticídio por machos que matam recém-nascidos.



Eu estava presente no histórico encontro em Bangalôre, sul da Índia, no qual Yukimaru Sugiyama, renomado primatólogo japonês, deu a notícia inédita de que langures machos, uma espécie de macaco encontrado na índia, se apoderam de um harém de fêmeas, depõem o líder e em seguida costumam matar todos os infantes. Arrancam-nos da barriga da mãe e os empalam com os dentes caninos. Esse encontro aconteceu em 1979 e, na época, ninguém se deu conta de que ele seria histórico, de que estava nascendo uma das mais provocativas hipóteses da nossa era. A apresentação de Sugiyama foi recebida com um silêncio ensurdecedor, seguido por um dúbio elogio do presidente da mesa por aqueles intrigantes exemplos do que ele chamou de "patologia comportamental". Foram palavras do presidente da mesa, e não do palestrante. A idéia de que animais matam os de sua própria espécie, e não apenas acidentalmente, era incompreensível e repulsiva.



A descoberta de Sugiyama e sua hipótese de que o infanticídio poderia ajudar a reprodução dos machos foi desconsiderada por toda uma década. Mas então mais relatos apareceram, primeiro sobre outros primatas e por fim relacionados com animais das mais variadas espécies, entre eles ursos, cães-de-pradaria, golfinhos e aves. Quando leões machos se apoderam de um bando, por exemplo, as leoas fazem todo o possível para impedi-los de ferir os filhotes, mas geralmente em vão. O rei dos animais salta sobre o filhote indefeso, abocanha-lhe o pescoço e o sacode, matando-o na hora. Não come a vítima. Parece um ato totalmente deliberado. A comunidade científica não conseguia acreditar que as mesmíssimas teorias que falam de sobrevivência e reprodução poderiam aplicar-se à aniquilação de recém-nascidos inocentes.



Mas era isso exatamente que se estava supondo. Quando um macho se apodera de um grupo, não só expulsa o antigo líder; também remove os últimos esforços reprodutivos deste. Assim, as fêmeas retomarão mais cedo o ciclo reprodutivo, e isso contribuirá para a reprodução do novo macho dominante. Sarah Blaffer Hrdy, antropóloga americana, desenvolveu ainda mais essa idéia e também chamou a atenção para exemplos de infanticídio humano. Já está comprovado, por exemplo, que crianças correm mais risco de sofrer maus-tratos infligidos por um padrasto do que por seu pai biológico, o que parece ter relação com a reprodução masculina. Diz a Bíblia que o faraó ordenou a morte de recém-nascidos, sem falar na passagem mais célebre sobre o rei Herodes, que "mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo" (Mateus 2, 16). O registro antropológico mostra que depois de uma guerra é comum crianças de mães capturadas serem mortas. Razões não faltam para incluirmos nossa espécie nos debates sobre o infanticídio por machos.



O infanticídio é considerado um fator importantíssimo na evolução social, opondo machos contra machos e machos contra fêmeas. Estas nada têm a ganhar: perder a cria é sempre desastroso. Hrdy teoriza sobre as defesas das fêmeas. Elas evidentemente fazem todo o possível para defender a si mesmas e à prole, mas, devido ao tamanho maior e às armas especiais dos machos (como dentes caninos), em geral elas não têm êxito. A segunda melhor alternativa é confundir a paternidade. Quando machos forasteiros se apoderam do grupo, como no caso dos leões e dos langures, um recém-chegado pode ter certeza absoluta de que não
é pai de nenhum dos filhotes vistos ali. Mas, se um macho já vive no grupo, quando encontra uma fêmea conhecida com um filhote a situação é diferente. O filhote pode muito bem ser dele, por isso matá-lo reduziria a capacidade desse macho para transmitir seus genes. Da perspectiva evolutiva, nada poderia ser pior para um macho do que eliminar seus descendentes. Portanto, supõe-se que a natureza forneceu aos machos uma "regra prática": só atacar infantes cuja mãe não tenha feito sexo com eles recentemente. Isso pode parecer infalível para os machos, mas abre para as fêmeas a oportunidade de uma brilhante contra estratégia. Aceitando as investidas de muitos machos, uma fêmea pode precaver-se contra o infanticídio, pois nenhum dos seus parceiros pode descartar a possibilidade de a cria ser dele. Em outras palavras, a galinhagem compensa.



Eis, pois, uma razão possível para os bonobos terem muito sexo e nenhum infanticídio. Este nunca foi observado entre eles, nem na natureza, nem em cativeiro. Já se viram machos investir contra fêmeas com infantes, mas a defesa em massa contra tal comportamento indica uma formidável oposição ao infanticídio. O bonobo é realmente uma exceção entre os grandes primatas, pois o infanticídio é bem documentado em gorilas e chimpanzés, sem mencionar os humanos. Um chimpanzé macho grandalhão na floresta de Budongo, em Uganda, foi descoberto segurando um infante morto de sua própria espécie, parcialmente comido. Havia outros machos por perto, e a carcaça era passada entre eles. Dian Fossey, antropóloga que ganhou fama quando sua história foi contada no filme Nas montanhas dos gorilas, viu um solitário gorila de dorso prateado entrar em um grupo e fazer uma violenta demonstração ritualizada de agressividade. Uma fêmea que dera à luz na noite anterior enfrentou-o com outra demonstração, pondo-se em pé e batendo no peito. O recém-nascido agarrado a seu ventre exposto foi golpeado imediatamente pelo macho, e morreu com um vagido.



Naturalmente, achamos o infanticídio revoltante. Uma pesquisadora de campo não conseguiu resistir e interferiu quando chimpanzés machos cercaram uma fêmea que rastejava no chão tentando esconder seu infante, emitindo fervorosos grunhidos apaziguadores para evitar o ataque. A pesquisadora esqueceu sua obrigação profissional de não intervir e enfrentou os machos com um grande pedaço de pau. Não foi uma ação das mais inteligentes, pois às vezes chimpanzés machos matam pessoas, mas a cientista conseguiu enxotar os machos e sair ilesa.



Não admira que as chimpanzés fêmeas fiquem longe de grandes agrupamentos de sua espécie por anos depois de terem dado à luz. O isolamento pode ser sua principal estratégia para prevenir o infanticídio. Elas só voltam a ter intumescimento genital perto do fim do período de lactação, que dura uns três ou quatro anos. Até essa época, não têm nada a oferecer aos machos que buscam sexo, mas também ficam desprovidas de um modo eficaz de abrandar um macho agressivo. As chimpanzés fêmeas passam boa parte da vida se deslocando sozinhas com suas crias dependentes. As bonobos, em contraste, reúnem-se ao seu grupo logo após darem cria, e em alguns meses voltam a copular. Têm pouco a temer. Os bonobos machos não têm como saber quais infantes são seus, quais não são. E, como as bonobos fêmeas tendem a ser dominantes, atacar sua cria é arriscado.



Amor livre nascido de autoproteção? "Por isso a dona é malandra", nos diria Frank Sinatra, na canção "The lady is a tramp". "Ela ama sentir o vento correr livre e fresco em seus cabelos, a vida sem cuidados", canta ele. De fato, a vida despreocupada das bonobos fêmeas contrasta com a nuvem negra que paira sobre as fêmeas de muitas outras espécies. O prêmio que a evolução destina a quem dá fim ao infanticídio deve ser inestimável. As bonobos fêmeas batalham por uma causa — a mais urgente imaginável para o seu gênero — com todas as armas à sua disposição, armas tanto sexuais como agressivas. E parecem triunfar.



Essas teorias, porém, não explicam a diversificação da sexualidade dos bonobos. Imagino que esse comportamento originou-se quando a evolução transformou os bonobos em animais heterossexuais grupais: o sexo simplesmente transbordou para outras esferas, como a vinculação entre indivíduos do mesmo sexo e a resolução de conflitos. A espécie tornou-se sexualizada aos poucos, e também aos poucos, provavelmente, isso foi se refletindo em sua fisiologia. Neurocientistas descobriram fatos fascinantes sobre a oxitocina, um hormônio comum em mamíferos. A oxitocina estimula as contrações uterinas (costuma-se ministrá-la a mulheres em trabalho de parto) e a lactação. Porém, menos conhecido é o fato de que ela também reduz a agressão. Se um rato macho receber uma injeção desse hormônio, diminuirá a probabilidade de ele atacar filhotes. Ainda mais interessante é o fato de que, no cérebro masculino, esse hormônio apresenta um pico após a atividade sexual. Em outras palavras, o sexo produz um hormônio que ajuda a expressar sensibilidade, que, por sua vez, induz a uma atitude pacífica. Isso poderia explicar biologicamente por que as sociedades humanas nas quais a afeição física é comum e a tolerância sexual é alta são geralmente menos violentas do que as sociedades sem essas inclinações. Talvez nessas sociedades as pessoas tenham níveis de oxitocina mais elevados. Ninguém jamais mediu a oxitocina em bonobos, mas aposto que eles a têm para dar e vender.



Quem sabe John Lennon e Yoko Ono tivessem razão quando passaram uma semana na cama no Hilton de Amsterdã em protesto contra a Guerra do Vietnã: o amor traz a paz.


Trecho do livro Eu, primata, de Frans de Waal.

Um comentário:

  1. A dominância das fêmeas é o que principalmente diminui a taxa de infanticidios e os machos devem ter maior taxa de oxitocina por fazer mais sexo e por isso são menos agressivos...especialistas dizem q esse especie não evoluiu tanto quanto a nossa em grande parte por não ter os machos dominantes...grandes evoluções e invenções ocorreram devido ao fato de nos sermos mais competitivos e com mais propenção ao confronto...

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