06 outubro 2011

Ministério Público e movimentos sociais pedem revogação da lei de zoneamento socioeconômico do MT



O Ministério Público estadual de Cuiabá moveu, na semana passada, ação civil pública com pedido de liminar para suspender os efeitos da lei de zoneamento socioeconômico e ecológico do Estado do Mato Grosso e, no mérito, pediu a revogação da lei. A informação foi confirmada na sexta-feira (30/9) pelo próprio autor da ação, promotor Domingos Sávio, de Cuiabá, durante reunião em que representantes de organizações socioambientalistas, povos indígenas, agricultura familiar e movimentos sociais também pediram a anulação da lei no Conselho Nacional de Zoneamento, no Ministério de Meio Ambiente.
A proposta de zoneamento teve início no Executivo estadual, na década de 1990. O estado ouviu técnicos, realizou estudos, contratou consultorias especializadas e gastou cerca de US$ 35 milhões. Encaminhou seu projeto para a Assembleia Legislativa, que convocou audiências públicas em todo o estado. O texto foi modificado pelo deputado Alexandre César (PT-MT), relator, que incorporou o resultado das audiências. Seu texto se transformou em substitutivo ao projeto do Executivo.
Na votação pela assembleia, o substitutivo do deputado petista foi rejeitado, tendo sido aprovado um novo texto, até então desconhecido de todos, elaborado pelos interesses exclusivos do agronegócio e que ignorou quase 20 anos de estudos técnicos e grande parte das propostas recolhidas nas audiências públicas.
Entre os problemas identificados no texto aprovado estão a eliminação de terras indígenas, redução de áreas voltadas à conservação e à proteção de recursos hídricos, falta de reconhecimento das áreas de agricultura familiar e expansão inadequada de zonas destinadas à agricultura e à pecuária de alto impacto.



"Enorme potencial de prejuízos"
Depois de aprovada, a proposta foi encaminhada ao governador Silval Barbosa, que a levou à sua assessoria, formada por técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e Secretaria de Planejamento e Gestão: “Eles analisaram e deram um longo parecer contrário à aprovação. O governador também pediu parecer à sua assessoria jurídica especializada em meio ambiente, que deu outro parecer contrário e recomendou o veto total à lei aprovada. Mesmo assim, foi sancionada, contrariando todos esses pareceres”, disse o promotor.
A ação do MP sustenta que “o zoneamento revela-se um instrumento com enorme potencial de ser propulsor de graves prejuízos ambientais e econômicos ao estado de Mato Grosso, merecendo assim a pronta intervenção do Poder Judiciário para anulá-la, em nome da higidez do ambiente, da sustentabilidade econômica, da qualidade de vida e do bem-estar da sociedade mato-grossense”. Segundo o promotor Sávio, a ação está fundamentada na falta de estudos técnicos e inobservância das regras procedimentais para a sua formulação.


A preservação "amarelou"
Sérgio Guimarães, do Grupo de Trabalho e Mobilização Social, uma rede que reúne cerca 130 organizações da sociedade civil do MT, confirmou a discordância com o texto aprovado pela Assembleia Legislativa. “A insconsistência do zoneamento aprovado é tão grave que além dessa ação do MP estadual, o Ministério Público Federal vai entrar com Ação de Inconstitucionalidade e as organizações da sociedade civil também estão preparando outra ação civil pública colocando novas irregularidades além das que estão na ação já ajuizada.”
Guimarães, que também representa o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Fórum de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), fez uma exposição, com projeção de imagens, em que mostrou as diferenças entre a proposta aprovada sem qualquer discussão com a sociedade e as propostas anteriores – do Executivo e do deputado Alexandre César.
Para exemplificar, Guimarães mostrou dois mapas sobre o mesmo tema, ou seja, as áreas de conservação que aguardavam reconhecimento na lei para se transformarem em áreas de preservação. No primeiro mapa, essas áreas de preservação apareciam em cor vermelha, enquanto as áreas admitidas para exploração agropecuária de alto impacto apareciam em tom amarelo. No segundo mapa, resultado do texto aprovado pela Assembleia, as áreas vermelhas foram reduzidas em 82%. “A preservação sumiu, o mapa amarelou”, disse Guimarães.
Além disso, ele revelou que havia 70 áreas indígenas a serem demarcadas e a lei da Assembléia Legislativa só considerou 56. “Eliminaram 14 áreas. E é por isso que o MPF vai entrar com Adin, porque o tema indígena é matéria de legislação federal.”


Relatos contundentes
De acordo com Bruno Abe Saber, representante do MMA na Comissão Nacional de Zoneamento, o Governo do Estado do Mato Grosso apresentou à comissão de zoneamento, no dia 30 de agosto, o projeto já aprovado em 20 de abril, para apreciação pelo Governo Federal. “Naquela reunião já se definiu que a sociedade civil também viria relatar o processo de participação e de incorporação dessa participação no projeto aprovado, o que está acontecendo hoje.”
Os relatos foram contundentes em relação à expectativa de quem participou das audiências públicas e o que se viu aprovado. Para Rodrigo Junqueira, do ISA, as audiências públicas realizadas no estado eram motivo de entusiasmo. “O Mato Grosso iniciou esse processo como um exemplo muito positivo, com ampla participação, mas virou um exemplo ao contrário. O resultado mostra que um segmento de poucas pessoas é capaz de promover uma aberração, sob todos os pontos de vista, como é o caso dessa lei.”
Cláudia de Pinho, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras (RCTP), disse à comissão que os povos e comunidades tradicionais foram ignoradas na elaboração do projeto de lei. “Se os grupos que são constitucionalmente reconhecidos, como é o caso dos indígenas e dos quilombolas, não recebem reconhecimento adequado, imaginem as outras comunidades tradicionais que existem em grande número no estado. Por isso, queremos que a lei do zoneamento seja anulada para que nós tentemos incluir toda a rica sociodiversidade na elaboração do projeto.”


Clima tenso nas audiências
Denise Amorim, da Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental e do Grupo de Trabalho e Mobilização Social, que se formou por ocasião do debate do desmatamento, lembrou as pressões que os participantes sofriam em algumas das audiências, por parte de pessoas ligadas ao agronegócio. “Militantes sociais de base sentiram medo diante do clima de ameaça e hostilidade.
O representante do MST na reunião, Antonio Carneiro confirmou: “O clima das audiências foi muito tenso. Em Pontes Lacerda tinha funcionários levados para vaiar indígenas e gente das comunidades tradicionais, qualquer um que não fosse do agronegócio. E tinha os pistoleiros.”
Alonso Batista, do Fórum de Lutas das Entidades de Classe de Cáceres, admitiu: “Na audiência de Pontes Lacerda eu tive medo de falar. Tinha muita gente ali dentro preparada para intimidar nossa participação. E quando a gente estava almoçando passava uma pessoa de moto com duas espingardas nas costas. Isso é normal?”
Segundo Batista, a audiência pública em Cáceres foi ignorada. “Realizaram outra, na sede do Sindicato Rural patronal, para tirar um documento e entregar aos deputados. Depois daquilo, pedimos audiência com o governador e até hoje não tivemos resposta.”
Juliana de Almeida, da Operação Amazônia Nativa (Opan), ao frisar a importância de um zoneamento ideal, deu um exemplo de como o interesse do agronegócio interfere nas decisões das autoridades. “Cerca de 80% das terras da TI Marawatséde estão ocupadas por invasores ilegais. O governo do Estado, em vez de determinar a saída dos ilegais, veio com uma proposta de retirar os indígenas e levá-los para uma unidade de conservação.”


A posição do governo
Depois de ouvir os relatos dos representantes, Bruno Abe Saber admitiu problemas na lei aprovada. “Independentemente das ações que vão ser desenvolvidas nos próximos meses, de ordem jurídica, de contestação técnica por parte da comissão a gente já tem de começar a pensar, em minha opinião em um ‘plano b’, porque as chances dessa lei não ser reconhecida tanto pelo governo federal quanto pelas instâncias estaduais são muito grandes.”
Roberto Vizentin, secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, disse que a comissão não manifestará opinião política e sim a partir de uma profunda análise técnica: “Vamos avaliar se os preceitos e os procedimentos foram observados, porque, do contrário, poderemos estar diante de muitas coisas, mas não de um zoneamento ecológico e econômico. E não é só em relação à participação, que é preceito fundamental. Não há verdadeiramente zoneamento sem a participação dos sujeitos que representam os interesses legítimos da sociedade. O zoneamento não pode se transformar num instrumento de legitimação dessa ou daquela força que seja hegemônica num determinado momento.”
O secretário admitiu que não sabia o que antecipar sobre o caso. “Tenho a expectativa de que a gente não tomaria decisão nem faria encaminhamento precipitado sem antes esgotar em todas as instâncias a possibilidade de entendimento e diálogo. E o governador disse: ‘Se tiverem proposta, botem na mesa.’ Disse a nós, disse à ministra [Izabella Teixeira, do MMA]. Mato Grosso tem espaço para todo mundo”, afoirmou Vizentin.


Conselho chapa-branca
O representante do Ministério da Agricultura, Roberto Lorena, lembrou a autonomia dos Estados para decidir sobre questões de seus interesses. “Este é um conselho de governo, chapa-branca, e nos cabe cumprir a lei. Estamos numa República, o Estado do Mato Grosso faz parte da federação e tem direito de decidir sobre seu desenvolvimento. Quem tem de decidir se eles têm de aumentar a área agrícola é a Assembleia Legislativa”, afirmou.
Mas admitiu que é preciso superar o conflito: “O imbróglio está armado. Esta instância não vai revogar uma lei estadual. No entanto, podemos não aprovar e aí estará mais um imbróglio armado, porque a lei não vai deixar de vigorar. Ela vai continuar vigorando para o licenciamento estadual. A gente não vai poder integrar o macrozoneamento do Brasil, mas a lei vai continuar valendo. A confusão jurídica já se arma totalmente. Minha sugestão é que peguemos uma lista dos pontos divergentes, vamos chamar as partes, vamos discutir ponto a ponto.”
Carlos Sampaio, do Ministério da Justiça, foi mais direto: “Como está a atual lei, acredito que esta comissão não tem como aprovar e encaminhar ao Conama porque ela tem diversos problemas. Por exemplo, a adoção precipitada de algumas regras que estão sendo discutidas no Congresso Nacional com relação ao Código Florestal, constituiria uma ilegalidade, porque afrontaria a atual legislação federal. Segundo, a questão das terras indígenas, que por motivo que ainda não está claro não foram caracterizadas como uma categoria à parte e eu acho que isso seria necessário. Essas duas preocupações, se não forem modificadas, na opinião do Ministério da Justiça, a gente não tem como aprovar o zoneamento ecológico e econômico.”
O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Marco Pavarino, se mostrou sensibilizado pelos relatos dos representantes de organizações populares. “O grau de contestação que eu ouvi me dá uma noção muito clara de que não houve participação efetiva da população no resultado final. Em alguns momentos, fiquei estarrecido com o relato de vocês.” Mas concordou com outros membros da comissão de que a manifestação terá de se prender a aspectos técnicos.


Promotor aguarda decisão
O promotor Domingos Sávio disse que está aguardando decisão judicial sobre seu pedido de liminar. Só depois o juiz analisará o pedido de anulação da lei. “O juiz deverá ouvir o estado, que tem prazo de cinco dias para se manifestar e, em seguida, apreciará o pedido da liminar.”
Posteriormente, se o juiz decidir pela anulação, o estado terá de promover novos estudos ou quem sabe fazer uso dos estudos existentes realizados pelo poder executivo, para formular uma nova lei de zoneamento.
Domingos Sávio confirma que a lei aprovada reduz, por exemplo, áreas protegidas, áreas de riqueza hídrica que passaram a ser consideradas áreas propícias à agropecuária intensiva. “Áreas florestadas, áreas de vegetação nativa em pé, foram colocadas como áreas de agricultura intensiva já existentes. Terras indígenas foram desconsideradas. Áreas que foram sugeridas para criação de unidades de conservação também foram reduzidas a menos de 20% do que havia sido proposto pelo governo.”
Ele justificou a ação explicando que o zoneamento é um instrumento que baliza a ocupação territorial e a implementação de políticas públicas de desenvolvimento. “Todas as decisões sejam de particulares ou do poder público, têm necessariamente de se basear no zoneamento. Temos de buscar a imediata suspensão dos efeitos da lei sob pena de todas essas políticas públicas e os investimentos públicos e privados serem motivadores de danos ambientais, ecológicos e econômicos em nosso estado.”
E concluiu: “Parece até que quiseram deixar como unidades de conservação apenas aqueles espaços onde só dá lagarto e pedregulho”.

ISA, Julio Cezar Garcia.



Fonte: Socio Ambiental

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