08 março 2011

O avanço contínuo das mulheres em movimento


Discurso proferido por Lélia Almeida em mesa redonda no Dia 8 de março de 2003 em Santa Cruz do Sul
Quando as minhas alunas me perguntam se eu sou uma feminista a pergunta vem cheia de curiosidade, a curiosidade de quem está falando com um animal pré-histórico, uma mamute congelada, o clone de uma dinossaura, qualquer coisa assim. Eu digo que sim, e mais, digo que sou das últimas, das últimas feministas da América Latina inteira, já que a outra feminista que eu conheço é justamente a minha companheira de mesa, esta que é uma feminista histórica deste país, a professora Suzana Albornoz. 
Enfim, as minhas alunas, de todas maneiras, não conseguem compreender como uma pessoa simpática como eu e que gosta tanto de literatura, pode gostar de ser uma feminista, e concluem pelo exótico, pelo excêntrico, afinal, eu sou uma escritora, o que justifica muitas excentricidades. E quando falo do Movimento de Mulheres, do Movimento Feminista, a coisa só piora, Movimento de Mulheres?!, Mas quando foi mesmo que isto aconteceu? 
Acho que elas imaginam que foi na minha juventude, um tempo muito longínquo e distante, muito distante da realidade delas, onde as mulheres, loucas e insatisfeitas, queimavam sutiãs em praça pública e espantavam os homens, enraivecidas. Sempre acho graça o Feminismo ser associado a um fato tão absolutamente isolado e pequeno como uma passeata contra o concurso de miss América, quando um grupo de feministas jogou os sutiãs em uma lata de lixo como uma rejeição simbólica da feminilidade artificial. Tudo bem, se o gesto ficou associado ao fato é porque às vezes são necessários gestos irados, furiosos para que alguma coisa aconteça, alguma coisa mude, alguma coisa se quebre. Enfim, sobre o Feminismo, os mal-entendidos não são poucos, e isto não é de graça.
A verdade é que não há um Movimento de Mulheres, não há um Feminismo. O Feminismo é múltiplo, tem várias cores, muitos matizes e nem sempre teve este nome, ainda que diversos Movimentos de Mulheres tenham tido uma característica sempre igual: o Feminismo reivindica fundamentalmente a autonomia das mulheres, autonomia em relação às leis e normas ditadas sobre elas pelo patriarcado. E isto que parece ser tão simples e tão pouco, é complexo, é muito complexo. 
Mas afinal, de qual Movimento Feminista eu vim, dos das mulheres dos anos sessenta, que brigavam pelo controle da sua sexualidade, ou dos anos setenta ou oitenta e sua luta pela inserção no mercado de trabalho, ou dos anos 20 e 30 quando Virginia Woolf escrevia pela primeira vez sobre as mulheres escritoras e defendia que tínhamos que ter um quarto todo nosso para poder escrever, ou dos anos quarenta quando Simone de Beauvoir escreveu sobre o segundo sexo, dando nome e explicações sobre esta subcategoria que as mulheres tínhamos sempre representado na história. Ou dos anos 60, quando as americanas trouxeram o debate do feminismo a público, radicais, e o estenderam numa malha, numa rede cheia de significados, junto aos negros, aos gays, aos pacifistas, etc. 
Ou talvez do tempo de Mariana do Alcoforado, a célebre freira portuguesa que escrevia cartas de amor desde a clausura, saudosa do seu amante francês (sempre tem um amante francês na vida das mulheres, são musos na verdade, para quem não sabe), ou talvez alguns séculos depois, eu também sou do tempo das três Marias portuguesas, dos revolucionários anos setenta em Portugal, que retomaram as cartas da pequena freira e atualizaram o sentimento, o ímpeto, o não às convenções que enclausuraram o desejo e a escrita feminina a uma cela escura, fria e fechada. 
Eu sou do tempo de Heloísa, da irmã de Shakespeare, da Mary Shelley, Jane Austen, George Sand, Colette, Doris Lessing. Eu sou de um tempo antigo, muito antigo, e é isto que é um pouco difícil de explicar para as minhas alunas e talvez seja esta antigüidade que elas notem em mim quando fazem sistematicamente, todo ano, a fatídica pergunta. Leia a íntegra, clique aqui.

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