07 junho 2012

O Traseiro do Macaco




No consciente ou no inconsciente, a dominância social está sempre em nossa mente. Exibimos expressões faciais típicas de primatas, como retrair os lábios para expor os dentes e gengivas quando precisamos esclarecer nossa posição social. O sorriso humano deriva de um sinal de apaziguamento, e é por isso que geralmente mulheres sorriem mais do que homens. De inúmeros modos, nosso comportamento, mesmo o mais amistoso, alude à possibilidade de agressão. Levamos flores ou uma garrafa de vinho quando invadimos o território de outra pessoa, saudamo-nos acenando com a mão aberta, um gesto que se supõe nascido da necessidade de mostrar a ausência de armas. Formalizamos nossas hierarquias — por meio de posturas corporais e tom de voz — a tal ponto que um observador experiente pode discernir, em apenas alguns minutos, quem está no alto e quem está embaixo no mastro totêmico. Falamos em comportamentos humanos como "beijar o traseiro", "prostrar-se" e "bater no peito" que constituem categorias oficiais de comportamento em minha área de estudo, o que sugere um passado no qual as hierarquias se expressavam mais fisicamente.


No entanto, ao mesmo tempo a irreverência é inata nos humanos. Um teólogo do século XIII, São Boaventura, disse: "Quanto mais alto sobe um macaco, melhor vemos o seu traseiro". Adoramos escarnecer dos superiores. Estamos sempre prontos para arrancá-los do pedestal. E os poderosos sabem muito bem disso. "Pesada sempre se encontra a fronte coroada", escreveu Shakespeare. O primeiro imperador todo poderoso da China, Qin Shi Huangdi, preocupava-se tanto com sua segurança pessoal que mandou construir passagens cobertas ligando seus palácios para que ele pudesse ir e vir sem ser notado. Nicolau Ceaucescu, o ditador romeno executado, construíra em Bucareste três níveis de túneis labirínticos, rotas de fuga e bunkers abastecidos com comida no subsolo do prédio do Partido Comunista no bulevar da Vitória Socialista.


O medo obviamente é maior quando o líder é impopular. Maquiavel acertou ao dizer que é melhor tornar-se príncipe com o apoio da gente comum do que com a ajuda dos nobres, pois estes se sentem tão próximos da posição do soberano que tentarão solapá-la. E, quanto mais ampla a base do poder, melhor. É um bom conselho também para os chimpanzés: os machos que defendem os oprimidos são os mais amados e respeitados. O apoio da base estabiliza o topo.


A democracia realmente foi alcançada através de um passado hierárquico? Uma escola de pensamento acredita que começamos em um estado de natureza cruel e caótico, governado pela "lei da selva". Escapamos dele porque concordamos com regras cuja imposição delegamos a uma autoridade superior. Essa é a justificação usual do governo de cima para baixo. Mas e se tiver sido justamente o oposto? E se a autoridade superior tiver surgido primeiro, emergindo só depois as tentativas de instalar a igualdade? É isso que a evolução dos primatas parece sugerir. Nunca houve caos algum: começamos com uma ordem hierarquia muitíssimo clara, depois encontramos modos de nivelá-la. Nossa espécie possui uma veia subversiva.


Existem muitos animais pacíficos e tolerantes. Em algumas espécies de macacos, eles raramente mordem companheiros, reconciliam-se com facilidade depois das lutas, toleram a presença dos demais ao redor de comida e água, e por aí vai. O mono-carvoeiro praticamente não luta. Os primatólogos falam em diferentes "estilos de dominância", ou seja, em certas espécies os superiores são sossegados e tolerantes, e em outras são despóticos e punitivos. Contudo, mesmo que alguns macacos possam ser de fácil convívio, não são igualitaristas. Para tal, seria preciso que os subordinados fizessem revoltas e estabelecessem limites, coisas que os macacos fazem apenas em grau limitado.


Os bonobos também são descontraídos e relativamente pacíficos. Empregando o mesmo mecanismo nivelador encontrado entre os chimpanzés, levaram-no ao extremo virando a hierarquia de cabeça para baixo. Em vez de militar na base, o sexo frágil nesse caso age de cima, ou seja, para todos os efeitos é o sexo forte. Mas, já que fisicamente as fêmeas bonobos não são mais fortes que os machos, elas precisam, como castores eternamente ocupados em reparar suas represas, de esforços contínuos para se manter no topo. No entanto, exceto por essa realização verdadeiramente notável, o sistema político dos bonobos é bem menos fluido que o dos chimpanzés. Repetindo: isso ocorre porque as coalizões mais cruciais, entre mãe e filhos machos, são inalteráveis. Faltam aos bonobos as alianças sempre mutáveis e oportunistas capazes de abrir à força um sistema. Tolerantes é uma designação melhor do que igualitaristas para os bonobos.


A democracia é um processo ativo: reduzir a desigualdade requer esforço. Não nos surpreenderemos com o fato de que, dos nossos parentes próximos, o mais agressivo e mais norteado pela dominância demonstra as tendências que em última análise baseiam a democracia se supusermos que esta nasce da violência. Quase com certeza, na história humana essa suposição é correta. A democracia é algo por que lutamos: liberté, égalité e fraternité. Ela nunca nos é dada de graça; sempre foi arrancada dos poderosos. A ironia é que provavelmente nunca teríamos atingido esse ponto, nunca teríamos desenvolvido a necessária solidariedade na base, se não fôssemos animais tão hierárquicos.



Trecho do livro "Eu, primata", de Frans de Waal

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