Enquanto todos os olhares se voltam para o deputado pastor Marco Feliciano nos Direitos Humanos, na Comissão de Constituição e Justiça, os mensaleiros preparam um atentado à democracia e estimulam uma guerra entre o Judiciário e o Legislativo.
Mário Simas Filho
ISTOÉ Independente
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Não houve alarde. Tudo aconteceu de forma sorrateira, com poucas testemunhas. Na quarta-feira 24, em votação simbólica, 20 deputados aprovaram, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), uma emenda constitucional que representa um golpe na democracia. A proposta, votada sem nenhum debate anterior, submete algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso, o que atenta contra uma cláusula pétrea da Constituição, que determina a independência e a harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O Brasil assistiu a um filme parecido em 1937, quando a Constituição assegurou ao presidente Getúlio Vargas o poder de cassar decisões do STF. Entre 1937 e 1945, o País passou por um dos períodos mais negros de sua história, conhecido como Estado Novo. Desta vez, a emenda golpista foi apresentada pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), mas sua aprovação foi articulada por dois petistas condenados pelo STF no processo do mensalão: José Genoino e João Paulo Cunha.
“Houve um claro atropelo para que essa emenda fosse aprovada”, diz o deputado Vieira da Cunha (PDT-RS). Contrário à proposta, Vieira da Cunha apresentou um voto separado, mas foi surpreendido pelos colegas. “Normalmente, os projetos que tenham voto separado são retirados da pauta quando seus autores não estão presentes. Eu não estava na reunião e votaram.” “Isso que aprovaram é uma completa aberração, ofende a autonomia da mais alta corte do País”, afirma o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, que junto ao partido recorreu ao STF para que a votação na Comissão de Constituição e Justiça fosse considerada inconstitucional.
No Judiciário, a decisão dos 20 deputados foi encarada como uma afronta. “Rasgaram a Constituição. Se isso vier a ser aprovado, é melhor que se feche o Supremo”, dispara o ministro Gilmar Mendes. “Ressoa como uma retaliação”, define o ministro Marco Aurélio Mello, referindo-se a uma provável vingança dos parlamentares condenados no mensalão contra a suprema corte brasileira. Embora em novembro do ano passado tenha ocupado a tribuna da Câmara para se referir ao julgamento do mensalão como uma “conspiração do Judiciário contra o PT”, o autor da emenda nega que tenha agido para se vingar pela condenação de seus companheiros petistas. O deputado, no entanto, não esconde o fato de estar se movendo com o intuito de enfrentar o STF, um comportamento que coloca, sim, em risco a estabilidade democrática. “O Judiciário vem interferindo em decisões do Legislativo, há uma invasão de competências”, diz Fonteles, revelando o desejo de retaliação.
Na quinta-feira 25, com o objetivo de baixar a fervura, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), encontrou uma maneira de impedir que a proposta golpista avançasse. Ele decidiu não instalar uma comissão especial que deveria ser a instância imediatamente seguinte à da Constituição e Justiça, para o trâmite da emenda. “A aprovação da CCJ foi inusitada. Surpreendeu a todos e pode abalar a harmonia entre o Legislativo e o Judiciário”, afirmou Alves. O empenho do presidente da Câmara, porém, não conseguiu acalmar os ânimos. Na tarde da quinta-feira 25, quando o líder do PT, José Guimarães, e o vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, buscavam um discurso de aproximação – o primeiro dizendo que a proposta não refletia a posição do partido e o segundo dizendo que não havia desarmonia entre os poderes –, coube ao presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), novamente jogar álcool na fogueira.
“Não vamos permitir que o Judiciário influa nas decisões do Legislativo, temos que zelar pela nossa competência”, disse o presidente do Congresso, referindo-se a uma liminar concedida na véspera pelo ministro Gilmar Mendes, suspendendo temporariamente a tramitação de um projeto de lei que dificulta a criação de novos partidos. O projeto, que interessa ao governo e já foi aprovado pela Câmara, é visto como casuísta, pois impede que parlamentares que troquem de partido levem para a nova legenda o tempo de televisão e o reparte do Fundo Partidário. Com isso, partidos novos como o da ex-senadora Marina Silva e o MD de Roberto Freire seriam inviabilizados. A oposição recorreu ao STF e conquistou a liminar de Gilmar Mendes. Qualquer forma de intromissão entre os poderes é condenável, mas, no caso de dúvidas, as maiores democracias do planeta ensinam que cabe às supremas cortes a última palavra.
Fonte: Corrêa Neto
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