O ano novo chegou, e trouxe com ele um velho problema pra quem enxerga além do dinheiro.
A primeira ensecadeira em construção.
As primeiras intervenções de maior porte no Rio Xingu, relacionadas à construção de Belo Monte, já estão em andamento. No trecho que margeia o Sítio Pimental, onde ocorrerá o barramento do rio, os construtores da usina estão fazendo a primeira ensecadeira – pequena barragem provisória para desviar parte do curso da água e permitir que se trabalhe em seco na construção do “paredão” da barragem definitiva -, como constatou a equipe do Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) neste domingo, 15.
Segundo um técnico ambiental que estava no local, esta é a primeira de três ensecadeiras para a construção da grande barragem de Belo Monte. Outra menor está prevista próxima à casa de força do Sítio Belo Monte, na altura do km 50 da Rodovia Transamazônica.
“A obra começou logo depois do ano novo”, contou um barqueiro que trafega pela área. Contudo, segundo ele, a primeira tentativa de erguer a barreira provisória, feita apenas com terra, foi levada pela correnteza. “Agora, eles também estão usando cascalho, pra ver se segura”, comentou. Também a ilha em frente à obra, onde passará o barramento, já está sendo desmatada. A autorização para supressão de vegetação foi dada pelo Ibama e prevê a derrubada de 5 mil hectares de floresta.
Moradores das comunidades e aldeias mais próximas afirmam que ninguém foi avisado do inicio da construção da ensecadeira. Ao verem as imagens mostradas pelo Xingu Vivo, muitos mostraram-se atônitos. “A gente não sabia disso. Começamos a ver que a água está vindo toda suja, toda barrenta , mas a gente não sabia porque. Com isso que vocês estão nos mostrando, morremos de tristeza. Não fizeram nada na aldeia [cumprimento de condicionantes], e estão assassinando nosso rio”, disse o guerreiro da aldeia Paquiçamba, Josinei Arara. Já entre os ribeirinhos e pequenos agricultores, muitos ainda não saíram de suas ilhas, casas ou comunidades, e afirmaram que só tem ouvido muitas explosões, cujo barulho e trepidação chega a incomodar.
De acordo com o geógrafo Brent Millikan, coordenador da ONG International Rivers no Brasil, os impactos das ensecadeiras já ameaçam o rio.“Com as ensecadeiras vem o desmatamento na Ilha do Pimental e ilhas vizinhas, assim como explosões de pedra e terraplenagem, despejando sedimentos que os moradores da Volta Grande já estão percebendo. Um dos impactos principais é sobre os peixes que transitam pelo rio.Na usina de Santo Antonio, no rio Madeira, por exemplo, muitos peixes ficaram presos entre as ensecadeiras e morreram”.
Segundo os moradores locais, uma grande preocupação agora é com a navegação do rio. “Não sabemos como vamos atravessar essas barragens, se eles fecharem o rio”, explica um dos barqueiros. De acordo com os indígenas da aldeia Arara da Volta Grande, a Norte Energia apenas apresentou duas animações de um sistema de “transposição” das embarcações, feita por um guindaste, que suspenderia os barcos e os atravessaria para o outro lado do barramento. “A Norte Energia também mostrou um vídeo de como isso é feito na Polônia, mas todos os barqueiros e índios do Xingu são unânimes em afirmar que isso não funcionará com o tipo de embarcação aqui da região. Só funcionaria se nossos barcos fossem de plástico”, explica Antonia Melo, coordenadora do MXVPS.
LIMINAR
O início do desvio das águas do Xingu só foi possível graças à derrubada de uma liminar que proibia o Consórcio de Belo Monte a realizar quaisquer obras no leito ro rio. Em meados do ano passado, a Associação dos Exportadores de Peixes Ornamentais de Altamira (Acepoat) impetrou uma Ação Civil Publica argumentando que Belo Monte acabará com a pesca ornamental, tendo recebido uma liminar favorável no final de setembro. Em dezembro, o mesmo juiz que deu a liminar reviu sua decisão e derrubou a liminar, acatando o argumento da Norte Energia de que não haveria pesca ornamental no Xingu. Diante do absurdo do argumento, a Acepoat afirmou que recorrerá da decisão.
“O governo federal mexe seus pauzinhos e coloca o judiciário, seus técnicos do Ibama e Funai a seu serviço, dando licenças e derrubando liminres. Mas isso não altera os atropelos, a ilegalidade de Belo Monte, o crime que ele está cometendo”, afirmou Antônia Melo. E pontua: “o governo está levando esta situação para um conflito iminente”.
Apesar da liberação das obras, ainda permanecem sem julgamento 11 ações judiciais do Ministério Público Federal contra Belo Monte. A mais antiga delas, iniciada em 2006, pode chegar ao Supremo Tribunal Federal este ano.
Fonte: Xingu Vivo
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