A nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas. Sigmund Freud
22 novembro 2012
ONU: meta de redução de emissões de gases não será alcançada
O mundo está mais longe de atingir a meta de redução de emissão de gases do efeito estufa traçada para 2020 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). No atual ritmo, projeta o Pnuma, o planeta chegará a 2020 com níveis de emissão capazes de elevar em mais de 2 graus Celsius a temperatura média da Terra, até o fim deste século. O alerta foi feito nesta quarta-feira em relatório divulgado globalmente pelo Pnuma.
O órgão das Nações Unidas responsável pelas questões ambientais quer evitar que a temperatura média do planeta suba mais do que 2 graus Celsius até 2100. Para isso, estabeleceu uma meta a ser alcançada em 2020, quando se espera que entre em vigor um novo acordo internacional sobre emissão de gases. Com base em estudos internacionais, o Pnuma estipulou o que seria a quantidade anual de emissão de gases em 2020 compatível com uma elevação média de temperatura inferior a 2 graus Celsius até o fim do século.
Elaborado por 55 cientistas de 22 países, entre eles o Brasil, o Relatório sobre as Emissões Excedentes de Gases de Efeito Estufa 2012 (The Emissions Gap Report 2012, no título em inglês) estima que foram emitidos 50,1 gigatons de gases em 2010, sendo 1,6 gigaton pelo Brasil. A meta do Pnuma é que a marca mundial caia para 44 gigatons em 2020.
O relatório alerta, porém, que os atuais compromissos firmados pelos países para reduzir emissões não serão suficientes para que o mundo atinja, em 2020, a meta compatível com uma elevação de temperatura média inferior a 2 graus Celsius.
De acordo com projeções do relatório, mesmo no melhor cenário a emissão de gases ficará em 52 gigatoneladas em 2020, ou seja, 8 gigatoneladas acima da meta. Caso nenhuma nova medida seja adotada, o volume degases emitidos atingirá 58 gigatons, 14 a mais do que o desejado. No relatório anterior, divulgado em 2011, essa distância entre o volume de emissões previsto e a meta oscilava entre 6 e 11 gigatons. Menos,portanto, do que os 8 a 14 de agora.
- Se não reduzirmos esse gap (distância), caminhamos para o risco de que a temperatura média aumente de 3 a 5 graus Celsius - disse o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Ronaldo Seroa, um dos brasileiros responsáveis pela elaboração do documento.
Seroa participou da apresentação do documento em Brasília, na sede do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o texto, a emissão de gases do efeito estufa cresceu 20% desde o ano 2000. E a demora dos países em intensificarem medidas mitigatórias elevará de10% a 15% os custos com redução de emissões após 2020, estima o relatório.
Seroa observou que o mundo até poderia ser dar ao luxo de postergar as ações mitigatórias para depois de 2020, considerando que a preocupação com o aquecimento global se estende até o fim do século. O problema,no entanto, é que quanto mais adiar a solução, mais a humanidade dependerá de novas tecnologias e avanços ainda incertos. Ele deu o exemplo da técnica de soterramento de gás carbônico, que retira o gás da atmosfera e o aprisiona debaixo do solo.
O engenheiro e pesquisador da Coppe/UFRJ Claudio Gesteira lembrou que o Brasil é o país que assumiu os maiores compromissos em termos de redução até 2020, com a meta de diminuir entre 36% e 39% a emissão degases nesse período. Enquanto a maioria dos países desenvolvidos está disposta a reduzir emissões, a Rússia é destacada no relatório como exemplo negativo, na medida em que se projeta que a quantidade degases que emitirá em 2020 será maior do que a atual.
- Se deixarmos tudo para 2020, vai ser difícil recuperar. Talvez seja até inviável - afirmou Claudio Gesteira, outro integrante da equipe que fez o relatório.
De acordo com Seroa, o documento mostra que há caminhos para a diminuição de gases do efeito estufa. Ele citou três áreas:transportes, edificações e desmatamento evitado. O Brasil é apontado como bom exemplo no combate ao desflorestamento.
- O Brasil desenvolveu um dos melhores sistemas de monitoramento de desmatamento e está ensinando o mundo - disse o pesquisador do Ipea Jorge Hargrave.
Segundo o relatório, avanços na produção de energia limpa podem significar o corte de 2,2 a 3,9 gigatons de gases; maior eficiência na indústria, menos 1,5 a 4,6 gigatons; e redução de desflorestamento,entre 1,3 e 4,2 gigatons. Para Seroa, as atuais tecnologias são suficientes para a diminuição do excedente de gases, de modo que o mundo tem plenas condições de cumprir a meta até 2020:
- Temos uma notícia ruim, que é o gap (distância) persistente. E uma notícia boa, que são os casos relatados aqui. Se ampliados, podem nos levar a bons resultados.
O Pnuma já tinha divulgado outros dois estudos semelhantes em 2010 e2011, com a finalidade de acompanhar os efeitos da implementação de medidas mitigatórias pelos países.
- O relatório dá razões para otimismo. Não é dizer que o copo está meio cheio ou meio vazio. O copo brasileiro está enchendo - afirmou o presidente do Ipea, Marcelo Neri.
Fonte: Yahoo
19 novembro 2012
15 novembro 2012
Só o PCC ameaça São Paulo?
I.
Ao descrever, num ensaio recente (breve em português, em Outras Palavras), a situação tormentosa vivida pela Grécia, o jornalista Paul Mason, da BBC, recorre à história da Alemanha, às portas do nazismo. Só uma sucessão de erros crassos, mostra ele, pôde permitir que Hitler chegasse ao poder. Mas havia algo sórdido por trás destes enganos. Embora não fosse conscientemente partidária do terror, a maior parte das elites alemãs desejava o autoritarismo, pois já não conseguia tolerar o ambiente democrático da república de Weimar.
As circunstâncias são distintas: não há risco de fascismo no cenário brasileiro atual. Mas é inevitável lembrar de Mason, e de sua observação sobre a aristocracia alemã, quando se analisa a espiral de violência que atormenta São Paulo há cinco meses. Em guerra com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), parte da Polícia Militar está envolvida numa onda de assassinatos que já fez dezenas de vítimas, elevou em quase 100% o índice de homicídios no Estado e aterroriza as periferias.
Pior: a escalada foi iniciada (e é mantida e aprofundada) por integrantes da própria PM, a força que deveria garantir a segurança e o cumprimento da lei no Estado. Mas, apesar de inúmeras evidências, o governo do Estado não age para refrear tal atitude. E a mídia omite, ao tratar da onda de mortes, a participação e responsabilidade evidentes da polícia. É como se tivessem interesse em manter, em São Paulo, um corpo armado, imune à lei e ao olhar da opinião pública, capaz de se impor à sociedade e diretamente subordinado a um governador cujos laços com a direita conservadora são nítidos.
Para ocultar o papel de parte da PM na avalanche de brutalidade, a mídia criou um padrão de cobertura. As mortes de autoria do PCC são noticiadas, corretamente, como assassinatos de PMs. Informa-se que o número de crimes deste tipo cresce de modo acelerado — já são 90 vítimas, este ano. Mas se associa a insegurança que passou a dominar o Estado apenas a estes atos. Também informa-se sobre parte das mortes praticadas pela PM — seria impossível escondê-las por completo. No entanto, aceita-se, sempre sem investigação jornalística alguma, a versão da polícia: morreram “em confronto”, depois de terem reagido.
Este estratagema permite silenciar sobre três fatos essenciais e gravíssimos: a) parte da PM abandonou seu compromisso com a lei e a ordem pública e passou a agir à moda de um grupo criminoso, colocando em risco a população e a grande maioria dos próprios policiais, honestos e interessados em cumprir seu papel; b) diante desta subversão do papel da PM, o comando da corporação e o governo do Estado estão, ao menos, omissos; c) procura-se preservar este estado, evitando, recorrentemente, caracterizar a atitude do setor criminoso da polícia e, muito menos, puni-lo.
II.
Algumas iniciativas permitiram, nos últimos dias, começar a quebrar a cortina de silêncios e omissões. O jornalista Bob Fernandes, editor-chefe do Terra Magazine, sustentou, numcomentário corajoso, em noticiário da TV Gazeta, que havia algo além do crime organizado, por trás da onda de assassinatos. “Rompeu-se um pacto entre polícia militar e PCC”, frisou Fernandes — e atribuiu a esta ruptura tanto a “guerra” entre os dois grupos como a espiral de morte que se seguiu. “Criminosos matam de um lado? Vem a resposta: alguns, quase sempre em motos, com munição de uso exclusivo de forças policiais, dão o troco e também matam.”
A fala do editor do Terra Magazine teve o mérito de romper o consenso que a mídia fabricava, até então, em torno de uma explicação inconsistente. Mas a que se referiria ele, ao mencionar, em linguagem quase enigmática, a ruptura de um pacto?
Uma das pistas, para encontrar a resposta, é seguir o fio da meada da onda criminosa. Quando ela teria começado? Por quais motivos? Entre o final de maio e o presente, os jornais estão fartos de notícias sobre os assassinatos, sempre no padrão descrito acima. Mas não é difícil encontrar um ponto de inflexão, o momento a partir do qual o cenário se transforma.
Ele situa-se precisamente em 29 de maio. Nesta data, quando ainda não adotava a confirmação sem checagem das versões da Polícia Militar, O Estado de S. Paulo registra um massacre. Seis pessoas foram mortas pela Rota, uma unidade da PM conhecida pela truculência. Estavam num estacionamento, próximo à favela da Taquatira, Zona Leste da capital. Foram vítimas de um comando constituído por 26 policiais. A própria PM afirmou, na ocasião, que eram integrantes do PCC. Alegou-se que estariam reunidas (num estacionamento?) para “traçar um plano de resgate de um preso”. Segundo as primeiras versões, teriam “atirado contra os policiais”. Apesar de numerosas (segundo a PM, 14 pessoas, das quais três foram capturadas e cinco fugiram), e “fortemente armadas”, nenhum soldado sequer se feriu.
Esta versão fantasiosa foi desmentida logo em seguida. Pouco depois da ação policial, um dos mortos “em confronto” seria executado a sangue frio, por parte dos PMs que haviam participado da operação. Os assassinos agiram em pleno acostamento da rodovia Ayrton Senna, e em área habitada. Uma testemunha presenciou o crime e o denunciou, enquanto acontecia, pelo telefone 190. A sensação de impunidade dos assassinos levou-os a ser fotografados pela próprias câmeras de vigilância da estrada. Nove dos 26 policiais foram presos, horas depois. Destes, seis foram soltos em dois dias. Três — apenas os que teriam praticado diretamente a execução — permaneceram detidos. Não é possível encontrar, nos jornais, informações sobre sua situação atual.
Atingido, o PCC reagiu recorrendo, embora em escala limitada, ao método que marcou sua atuação em 2006. Na região de Cidade Tiradentes, uma das mais pobres da cidade e local de moradia de um dos mortos, o grupo obrigou a população a um toque de recolher no dia do enterro do comparsa, 31 de maio. Tiveram de fechar as portas, entre outras, as escolas municipais Adoniran Barbosa e Wladimir Herzog… Mas, também repetindo o que fizera em 2006, a facção não se limitou a isso. Começaria, logo em seguida, a longa série de assassinatos de policiais militares.
No ano passado, 47 PMs paulistas foram mortos, em serviço ou suas folgas. Não é um número excepcional, para uma corporação que reúne quase 100 mil soldados, exerce atividade de risco e vive sob tensão permanente (o índice anual de suicídios é muito próximo ao das vítimas de homicídio). Em 2012, tudo mudou. Até o incidente fatídico de 29/5, haviam sido contabilizadas 29 mortes de PMs — pouco acima da média registrada no ano anterior. Entre 29/5 e 4/11, os ataques disparam. São 61 novos assassinatos, em apenas cinco meses. Há casos dramáticos: uma policial morta diante de sua filha; um garoto assassinado apenas por ser filho de policial, ocasiões em que as próprias bases da PM são atacadas. Inúmeros relatos narram a situação de pânico vivida por milhares de soldados honestos, cuja vida foi subitamente colocada em risco numa “guerra” provocada por uma minoria.
Mas aos poucos — e aqui começa um dos pontos mais obscuros de todo o episódio –, a PM parece inclinar-se em favor de sua banda violenta. Além de ter provocado o PCC à luta no final de maio, num ataque cujo caráter criminoso está demonstrado, a polícia paulista empenhou-se, nos meses seguintes, em tornar a disputa cada vez mais sangrenta e mais letal para a população civil.
Alguns episódios são emblemáticos desta tendência e da barbárie produzida por ela. Em 10 de outubro, por exemplo, um soldado de 36 anos foi executado em Taboão da Serra, oeste da Grande São Paulo. Dois homens dispararam seis tiros em seu corpo. Nas horas seguintes, no mesmo município, nove pessoas foram assassinadas. Duas delas foram vítimas da Rota —execuções, segundo testemunhas. As sete outras, em circunstâncias nunca esclarecidas, mas muito assemelhadas às descritas por Bob Fernandes, em seu comentário recente. Poucos dias antes, na Baixada Santista, um outro episódio, em condições muito semelhantes, deixou, em cinco dias, um rastro de quinze mortos. Em nenhum destes casos houve investigações sobre o comportamento dos policiais — nem por parte de seus pares, nem da mídia…
A esta altura é perturbador, porém inevitável, traçar um paralelo. Radicalizar ao máximo a guerra contra o PCC; afogar o “inimigo” em sangue, sem se importar com o risco de atingir a população como um todo, foi a estratégia que prevaleceu na PM em 2006, quando a força enfrentou pela primeira vez o grupo criminoso. Entre 12 e 20 de maio daquele ano, mais de 500 pessoas foram assassinadas em chacinas e execuções na capital, região metropolitana, interior e litoral de São Paulo. A grande maioria não tinha relação alguma com o PCC, como denunciam, desde então, as Mães de Maio. Adotou-se aparentemente a ideia de que deflagrar terror indiscriminado contra a população forçaria o grupo criminoso a recuar, temeroso de perder apoio de suas bases sociais.
III.
Um personagem destacado é comum aos episódios de 2006 e aos de hoje: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não estava diretamente à frente do Palácio dos Bandeirantes, durante a primeira rebelião do PCC (deixara o posto um mês antes, para concorrer à presidência da República). Mas havia governado o Estado nos seis anos anteriores e executara uma política de segurança considerada ao mesmo tempo brutal e ineficiente. Sua ligação com os acontecimentos ficou patente ao abandonar, de modo abrupto, uma entrevista em que jornalistas britânicos (ao contrário da grande mídia brasileira) questionaram-no sobre o ocorrido.
Apontado como membro da organização ultra-direitista Opus Dei, até mesmo por integrantesde seu partido (o PSDB), Alckmin é visto, por parte da elite brasileira, como uma liderança importante a preservar. As declarações que tem dado, desde maio, em favor das posições mais belicosas e agressivas, no interior da PM, são eloquentes.
Falta muito a apurar, na trilha tenebrosa e caótica para a qual descambou a segurança (?) pública em São Paulo, desde maio. Por que, após uma tentativa fugaz de investigar ações ilegais e criminosas de parte de seus integrantes, a PM desistiu do esforço? Que levou a imprensa — que também denunciou a truculência, num primeiro momento — a silenciar e a repetir, desde junho, uma versão insustentável? Um setor de policiais especialmente violento terá conseguido impor sua postura? De que forma estarão envolvidos o governador e a imprensa?
O certo é que, para interromper a escalada sangrenta, a sociedade precisa agir — o quanto antes.
Fonte: Revista Fórum
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